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domingo, 6 de dezembro de 2015

Carnalidade

Sempre só.
Nem à devassidão consigo me entregar,
é difícil sair de casa pra qualquer que seja o lugar.
Sei que a entrega a voluptuosidade é algo efêmero e vazio, e que, o efeito paliativo dela é mais rápido que a efervescência de um Sonrisal dissolvendo-se num copo d'água gelado,
numa manhã quente de ressaca e com olhos inchados.
Ainda assim eu gostaria de me entregar, mas minha postura introvertida não me permite conhecer
pessoas novas,
bares,
bebidas,
lugares lúgubres.
Não se deve usar dos atos devassos, libidinais, como justificativa para o esquecimento do amor, porém, tampouco deve-se atirar qualquer pedra em quem foi cego pelo amor e agora se entrega a lascividade.
É como o suicídio, para a maioria não é algo justificável, porém, tampouco devemos julgar, escarnecer do miserável que comete tal ato.
Sigo contigo no pensamento, mas se a oportunidade de me entregar a libertinagem bater à minha porta, não garanto que terei caráter suficiente para recusar.
Até lá vou caminhando, levando o dia a dia, será que tu volta, ou as voltas da vida vão me trazer outro porre como você?
—Adriano Cézar
https://www.youtube.com/watch?v=SYM-RJwSGQ8&list=PLlwogUY0x_5nmAXmWVzd8TcKrYx5XF1Kz&index=1


sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Como é estar morto num corpo que ainda pulsa?
A morte não é, necessariamente, um acontecimento final, irremediável e fatalístico. A morte acontece pra mim, em todos os momentos em que escuto The Smiths e não sinto nada, quando aprecio as obras do Renoir e não vejo mais beleza, quando leio os vômitos do Bukowski e nem me identifico. Não tenho propósito na vida, não acredito em nada, a imortalidade da alma pra mim é, quando gozo.
Ainda procuro manter-me informado com os comentaristas de economia da GloboNews, vez ou outra dou pitacos sobre política, aliás, política é a única coisa sobre o que ainda ouso escrever, pois não sou digno de falar das coisas belas, da música gregoriana, sujo como estou, só me arrisco a falar de política, área porca.
Levanto todos os dias e embebedo-me com o que posso, e só posso(por que só me permito)tomar café, umas 4 xícaras durante a manhã.
No trabalho observo as miseráveis vidas que me cercam, pode parecer que são mais interessantes, mas suspeito que não, só são menos conscientes do absurdo.
Ainda quero que tenha orgulho de mim, que me veja na TV, que se impressione com meu sucesso social, mas do jeito que levo a vida, levaria décadas para se alcançar algum êxito, coisa que acho improvável.
Eu só espero que a paixão não me assalte nunca mais, pois do jeito que estou, devastado e cheio de culpa, melancólico e suicida, não tenho chão, só você pode me tirar desse abismo. Ainda espero seu maldito contato, me pedindo pra voltar, me pedindo pra te perdoar, e eu, desgraçado e sem firmeza no trato, que sou, vou te aceitar de volta, todas as mil vezes que me procurar pra me afundar, pois só permito que você me afunde, se não tem nada de amor aí, então fudeu mesmo, não vou sentir essa porra nunca.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Futebol é paixão.
''(...)a mais importante das coisas desimportantes deste mundo'' disse o bugrino Alexandre Inagaki.
Admito ser uma pretensão tola de minha parte, querer explicar o sentimento futebolístico tendo-o vivido apenas nos anos dois mil. Tivesse eu nascido nos tempos rodrigueanos*, talvez fosse mais bem sucedido nessa tarefa.
Não vi Pelé nem Maradona, assisto os jogos do Messi, a mídia jura que ele é real, que ele existe, não tenho tanta certeza, não sei se a natureza é tão perfeita assim.
Acordei de madrugada e vi meus pais assistindo ao jogo Brasil x Inglaterra na Copa de 2002, lá no Japão. Que sensação boa, meus pais se importavam com aquilo, era algo relevante.
Lembro-me de ver alguns garotos na escola com o cabelo cascão do Ronaldo fenômeno, pedi à minha mãe para cortar daquele jeito, ela não acatou, primeira decepção(na verdade ela me salvou da ridicularização, pois meu cabelo é liso), a segunda decepção veio anos depois, quando percebi que meu nome poderia muito bem ter sido ROMÁRIO. Poxa, nasci em 1995, sete meses após a final. TINHA QUE TER UMA HOMENAGEM, QUALQUER QUE FOSSE.
Lembro de uma foto minha, que até bem pouco tempo minha mãe tinha, em que eu aparecia em um velocípede azul com um bonézinho do Botafogo, essa é a primeira imagem que me vem à mente quando penso no meu amor pelo Futebol. Sei que por conta do meu padrinho resolvi ser Flamenguista, até bem pouco tempo eu achava que todo mundo nascido no Brasil era impelido ao Catolicismo e ao Flamenguismo, pra ser parte da ''família tradicional brasileira''.
A minha sétima série passei desenhando cobranças de falta no caderno de artes enquanto as aulas de Geografia eram ministradas aos outros alunos. Na minha mente juvenil as garotas da minha turma não poderiam ter uma vida plena nunca, tendo em vista que nenhuma se interessava por Futebol. Na minha infância fiquei abismado com a aterradora revelação de minha mãe, a de que após a morte, lá no céu prometido pelo catolicismo, não existiria futebol, pois ''jogo não é de Deus'' dizia ela. Como o paraíso poderia ser um lugar de júbilo contínuo, se o Futebol não tinha lugar ali ?
Vi pela TV, e participei, ajudando a pintar a rua, da Copa de 2006, a do ''quadrado mágico''; Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Ronaldo e Adriano, fiquei até o último segundo esperando uma cobrança de falta certeira do Gaúcho que resultasse numa reversão daquele placar de 1x0 contra a França. Na Copa de 2010 fui até a feira comprar uma camisa azul da seleção pra vestir nos jogos, camisa azul, a que deu o título de 58 ao jovem Pelé. Nesse intervalo de copas vi Papai Joel levar o Flamengo da zona de rebaixamento à Libertadores, em 2007. Vi o São Paulo ser tri, vi Rogério Ceni se consolidar como o MAIOR goleiro da história, vi, e torci, pro Bugre sair da série C e jogar a B em 2009. Teve também aquela final da UEFA Champions League de 2008 em que depois dela eu só tinha uma certeza, VOU SER GOLEIRO, eu vi Van Der Sar se consagrar, tá na minha retina, ninguém tira. Teve um período entre 2008/09 em que todo dia eu ia dormir com o radinho ligado na Jovem Pan, terça; série B, quarta e quinta; série A, sexta; série B de novo, e foi aí que acompanhei a escalada do Guarani à série A. Também senti medo e admiração pelo Boca Jrs, parecia que tínhamos um Barcelona aqui na América Latina. Ah...a América Latina... terra dos argentinos, esses insanos, cabeludos, brigadores, eu os admirei, sua capacidade de acreditar que não tem bola perdida, que dá pra chegar e dividir no carrinho, e ainda comemorar provocando o adversário, só é equivalente a dos uruguaios. Sobre o Uruguay, tenho uma confissão; acredito que na minha vida passada fui um atleta amador uruguaio, tenho um fascínio por esse país anãozinho que quase não observamos no mapa, esmagado por dois gigantes, Brasil e Argentina. Ouvi dizer que ele é Bi-campeão do Mundo, que ganhou do Brasil no jogo de maior público da história do futebol. Existe alcunha mais doce de se pronunciar pra se referir à uma seleção do que... 'CE LES TE' ? Aquela camisa azul é monstruosamente linda.
O maior jogo que tive oportunidade de ver da seleção brasileira foi a final da Copa das Confederações, Brasil x Espanha, nunca vi um time entrar com tanta ânsia de gozar do que aquele.
A única vez que fui suspenso da escola por indisciplina, fiquei impedido de ir justamente no dia de uma Internazzionale x FC Barcelona, de certa forma foi um prêmio ter chutado aquele copo na direção da representante de turma.
E jogar ?
Bom, jogar eu também joguei, é claro.
Minha rua era sempre o Maracanã chuvoso pra mim, ou o Coliseu, depois que assisti Gladiator e vi Kléber, Gladiador, encarando o mal nos olhos, com a camisa do Palmeiras. Golzinho de madeira ou metal, ou ainda sandália havaiana, não importava pra gente. Bola de campão, quadra, couro, plástico, bola de tênis, latinha de cerveja, garrafinha plástica, até pedra, pasmem. Qualquer coisa que minimamente tenha algo de esférico em sua forma. A camisa do Flamengo era a própria pele, carrinho no asfalto era a demonstração de comprometimento máximo que eu podia dar, tinha também a ralada da cabeça do dedão do pé no chão. Tinha tabela com o meio-fio, mas isso eu não fazia, deixava pro meu irmão, era o mínimo de moralidade que eu podia exercer à época.
Acho que o futebol só é jogado plenamente na periferia, nãos nos milionários estádios ''padrão fifa'', mas nos 'piores' gramados, com as arbitragens menos qualificadas e sujeito à todo tipo de intempérie como o tráfico de drogas nos arredores, levando ''pança'' dos caras fortões que te intimidam com o olhar, nos obrigando a pegar 5ª próxima.
O paraíso pra mim já passou, era quando jogávamos na chuva, asfalto e chuva. Era raríssimo, por isso era orgasmático. As mães nunca caíram naquela propaganda do OMO de ''porque se sujar faz bem''. Hoje não tenho mais nenhum time do coração, sou Galo, Grêmio, São Paulo, Flu e todo sentimento. Mas o que eu queria mesmo era ter nascido na Argentina pra comemorar os gols do Racing na arquibancada do 'El Cilindro'. Não adianta Zaratustra, só consigo amar a vida que não vivi.
Se eu morrer, que o meu inferno seja estar preso eternamente no PES 2008—único jogo que realmente me dediquei a jogar— acompanhando sozinho na arquibancada a volta olímpica da Seleção, todos tristes acompanhando o singular sorriso do Ronaldinho.
O Futebol pode ser só onze idiotas correndo atrás de uma bola, mas pra mim é a única religião que sobrou.
—Adriano Cézar
*Tempos Rodrigueanos=1912-1980


domingo, 26 de julho de 2015

 Fundamentos de Filosofia: Gilberto Cotrim e Mirna Fernandes, pág. 153
''Uma vez um velho perguntou-me:
Por que vindes vós outros, Mairs e Perôs (franceses e portugueses), buscar lenha de tão longe para vos aquecer ? Não tendes madeira em vossa terra ?
Respondi que tínhamos muita, mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os seus cordões de algodão e suas plumas. Retrucou o velho imediatamente:
E porventura precisais de muito ?
—Sim - respondi-lhe - pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados.
Ah! - retrucou o selvagem - tu me contas maravilhas - acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: — Mas esse homem tão rico de que me falas não morre ?
— Sim - disse eu - morre como os outros.
Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo:
E quando morrem, para quem fica o que deixa ?
—Para os filhos se os têm - respondi. - Na falta destes, para os irmãos ou parentes mais próximos.
Na verdade - continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo - agora vejo que, vós mairs(franceses), sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também ? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados''
—Jean de Léry (pastor protestante e escritor francês que viveu no Brasil entre 1556 e 1558) Viagem à terra do Brasil, p. 169-170. Citado em Fundamentos de Filosofia - Gilberto Cotrim e Mirna Fernandes.

domingo, 19 de julho de 2015

Jerusalém: Objeto de desejo.
Há mais ou menos 4 mil anos Deus ordenou o sacrifício de Isaque, mas na última hora mudou de ideia. Mil anos depois, ou seja, 3 mil anos atrás, o Rei Salomão mandou erguer um templo(o 1º templo) no que acreditava ser a mesma montanha em que Abraão levou seu filho pra morte. No séc. VI a.C. em 587 os babilônios(Nabucodonosor II) destroem o templo, obrigando os judeus a saírem de Jerusalém. Uns anos mais tarde eles constroem um 2º Templo em 539 a.C. após a conquista persa da cidade da Babilônia e o fim do cativeiro dos judeus. No séc. I o Rei Herodes promove uma remodelação no templo, ato visto como profano pelos judeus. O Rei Herodes tentou usar a religião p/ acalmar a população da judeia — território correspondente hoje a faixa de terra entre a Cisjordânia e o Mediterrâneo, passando por Israel até chegar a Faixa de Gaza — e deu certo, mas não por muito tempo, as revoltas continuaram e muita gente foi crucificada em Jerusalém.

70 anos d.C o Imperador Romano Tito perdeu a paciência(
foi o império romano que nomeou a região como Palestina) e mandou destruir o 2º templo, estima-se que mais de 100 mil judeus morreram, e os que sobreviveram ao massacre do templo foram exilados de suas terras por lutarem em movimentos nacionalistas que buscavam independência.

O muro ocidental(das lamentações) foi a única parte que resistiu a fúria dos romanos.
Mais de meio milênio depois(séc.VII) Maomé recebeu do Anjo Gabriel as revelações divinas que fundaram o Islã, o Califa Omar — um dos sucessores de Maomé — avançou com seu exército e conquistou grande parte do Império Bizantino e tomou Jerusalém até 1516, quando estabeleceu-se o domínio turco-otomano, que durou até a I Guerra Mundial. Na mesma montanha onde ficava o templo dos judeus(a montanha de Abraão), os árabes construíram a maravilhosa mesquita Al-Aqsa(o Domo da Rocha) no mesmo séc.VII. A tradição afirma que foi lá dentro que Maomé subiu aos céus e fez da montanha, que já era sagrada pros Judeus, um dos lugares mais sagrados do mundo também pro Islã.
Também segundo a tradição, só que a judaica, o local será o sítio onde deverá construir-se o terceiro e último templo nos tempos do Messias.
o texto contém falas do correspondente da Rede Globo em Jerusalém, Rodrigo Alvarez e complemento de pesquisas na internet. 
Documentário completo, 2014: um dos anos mais violentos para israelenses e palestinos:http://globosatplay.globo.com/globonews/v/3855076/


sexta-feira, 17 de julho de 2015

A vida é um ônibus lotado.
“A ética é a inteligência compartilhada a serviço do aperfeiçoamento da convivência''
essa definição é do Professor Clóvis de Barros Filho, e eu vou fazer uma analogia através da qual me ajudou a interpretar a afirmação.
Não existe convivência pacífica, saudável, sem ética, comparo a convivência em sociedade com o compartilhamento do uso do transporte público. Quando pego um ônibus em Brasília observo muitas situações que podem ilustrar bem a convivência saudável, e quando digo convivência saudável me refiro a uma convivência minimamente aceitável do espaço e vontade alheias. É bom frisar nessa palavra, VONTADE, pois a ética é a supressão das VONTADES individuais em nome de uma convivência mais justa, igualitária. A ética pressupõe que é melhor que a vontade de todos seja atendida em menor grau do que a vontade inteira, máxima e completa, de um único individuo.
Quando pegamos ônibus lotado, e existe muito disso aqui em Brasília, aliás aproveito o espaço para sugerir a adoção de um sistema em que seja impossível a entrada de mais passageiros quando já se estabeleceu um número elevado deles, ou seja, quando todos os assentos já estão ocupados e grande parte do espaço no corredor, onde as pessoas se aglomeram. Poderia haver uma contagem na roleta em que, vamos supor, passou-se de 50 passageiros a porta da frente é travada, e portanto impossível a entrada de mais alguém. Não tenho dados específicos, mas vamos supor que um ônibus tenha capacidade para 35 pessoas sentadas, ainda assim cabem umas 15 pessoas a mais, de maneira confortável, mesmo em pé. Sinal vermelho na roleta, ninguém mais entra. Bom, com essa sugestão estou tentando usar minha inteligência a serviço de uma convivência melhor.
Voltando.
Ao pegarmos ônibus lotado, é comum juntarmos os pés, nos recolhermos, colocarmos a mochila em frente ao corpo e apertá-la, buscando uma ocupação miníma de espaço, para que o outro tenha uma quantidade maior de metro quadrado, ou uma quantidade minimamente aceitável, de modo que a viagem do outro, seja menos desconfortável.
É comum nas grandes capitais que trabalhadores peguem ônibus já muito cedo, nas primeiras horas da manhã, e dependendo da época do ano a temperatura está muito baixa, portanto o frio é a regra, as pessoas espremem-se no ônibus para que o outro possa caber. Um indivíduo perto de mim começa a espirrar, ele não tem culpa da gripe ser uma doença incurável - aliás acho que descobrirão a cura da aids ou câncer primeiro que a da gripe - em lugares fechados, com aglomeração de pessoas, o vírus da gripe rapidamente é disseminado. Lembro-me disso e estico a mão até a janela na tentativa de abri-la para evitar contaminações à mim e aos outros, essa é minha VONTADE, no que olho de relance pro lado, enquanto faço cara feia no esforço de empurrar o vidro da janela, percebo o olhar fuzilador de duas senhoras cobertas até o pescoço com camadas e camadas de roupas que as protegem do frio das 6:00 da manhã, elas nitidamente não querem que a janela seja aberta pra não morrerem de frio. Eu não sou uma pessoa ''frienta'', mesmo assim uso uma jaqueta e julgo que seja suficiente, vou escutando uma música e esqueço se está frio, quente, chovendo, etc. Diante da recusa gestual das senhoras à minha tentativa de abrir a janela, recuo o braço de volta ao meu corpo, suprimindo assim minha VONTADE em nome da vontade de outras pessoas, que julgo posso contribuir para que tenham uma viagem um pouco mais confortável até o trabalho, e assim também tento fazer na vida, se posso diminuir o desconforto de alguém, em detrimento de uma VONTADE minha, tentarei fazer.
Se a satisfação de um desejo meu depende da redução do conforto do outro, não devo agir, isso é altruísmo.
Inúmeros são os casos, nos metrôs de São Paulo, em que mulheres são molestadas, popularmente ''encoxadas'', porque homens não recuam a VONTADE bestial e primitiva de 'atacar' sexualmente mulheres, restando a elas o desconforto e o medo de reagir. Esse tipo de atitude deixa a convivência saudável inviável, pois a inteligência não é usada a serviço do aperfeiçoamento da convivência, a inteligência é posta à margem do instinto, instinto que não é racional, e nós como seres pensantes, portanto racionais, não devemos deixar que o instinto nos guie.
Há algum tempo atrás, na explosão da moda das caixinhas de sons, ou até celulares mesmo, muitos jovens desfrutavam de seus gostos musicais, sem nenhum tipo de pudor, sem usarem fones de ouvido, infernizavam outros passageiros com músicas que assustava quem pregava valores morais relativos à sexualidade. Hoje aqui em Brasília não vejo mais isso quando pego ônibus, houve, é claro, campanhas de conscientização.
Agora o que observo, continuando na analogia do ônibus como sendo a sociedade em que convivemos, portanto uma sociedade laica, sem uma religião intervencionista, que muitos são os seguidores de denominações evangélicas que ''pregam'' dentro do ônibus, relatando suas vidas e como, ao 'conhecer' Jesus, mudaram de vida, sempre pra melhor. Não se tocam, ou, o mais provável, não sabem que o Estado Brasileiro é laico, portanto existem e convivem inúmeras religiões e denominações, e que a deles não é a única, e que dentro dum ônibus, assim como na sociedade, também existe quem não tem nenhuma religião, e que fica incomodado com as ameaçadoras pregações de mundos alternativos ao 'reino de deus'. Sem contar a eloquência com que falam, chegando a escorrer suor da testa, tudo isso só é suportável com o fone de ouvido no máximo. Isso demonstra claramente a VONTADE de imposição da sua ''verdade'' em detrimento da VONTADE dos outros de seguirem uma viagem tranquila, em paz e silêncio, o que já é difícil devido as buzinadas no trânsito.
'Passageiros' que somos do ônibus vida, peço que moderem suas VONTADES para que não seja extinta a VONTADE do outro. Tentemos então um meio-termo, para que as VONTADES sejam atendidas ainda que não na totalidade, mas em parte, para que o outro também tenha a sua VONTADE atendida, não na totalidade também, porque seria eu o prejudicado, mas também em parte. Que todos tenhamos nossas VONTADES atendidas em uma pequena porcentagem, para que assim evitemos a realização de 100% da vontade de um. Pra isso é necessário a inteligência. Compartilhe sua visão, dê sua contribuição para que a convivência seja aperfeiçoada. Pra quem busca sentido na vida, essa é uma boa causa.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

O Livreiro de Cabul: Asne Seierstad
Suicídio e canto, pág.48
No Afeganistão, mulher apaixonada é tabu. É proibido pelos conceitos de honra rigorosos do clã e pelos mulás. Os jovens não têm o direito de se encontrar para amar, não têm o direito de escolher. Amor tem pouco a ver com casamento, ao contrário, pode ser um grave crime, castigado com a morte. Pessoas indisciplinadas são mortas a sangue-frio. Caso apenas um dos dois tenha de ser castigado com a morte, invariavelmente é a mulher.
Mulheres jovens são, antes de mais nada, um objeto de troca e venda. Um casamento é um contrato entre famílias ou dentro de uma família. A vantagem que o casamento pode ter para o clã é o que determina tudo — sentimentos raramente são levados em consideração. Durante séculos as mulheres afegãs têm suportado a injustiça cometida contra elas. Mas, em canções e poemas, as próprias mulheres dão seu testemunho. São canções para ninguém ouvir, e até o eco permanece nas montanhas ou no deserto.
Elas protestam ''se suicidando ou cantando'', escreveu o poeta afegão Sayed Bahoudine Majrouh num livro de poemas das próprias mulheres pashtun. Ele reuniu os poemas com a ajuda da cunhada. Majrouh foi assassinado por fundamentalistas em Peshawar, em 1988.
Os poemas ou rimas são passados oralmente de umas para as outras próximo ao poço, no caminho para o campo ou ao lado do forno de pão. Falam de amores proibidos, do ser amado como outro homem, nunca o marido, e do ódio ao marido, frequentemente muito mais velho do que elas. Mas expressam também o orgulho de ser mulher e a coragem demonstrada por elas. Os poemas são chamados de landay, que significa ''curto''. Consistem de poucas linhas, curtas e ritmadas, ''como um grito ou uma facada'', escreve Majrouh.
Pessoas cruéis veem um velhinho
a caminho da minha cama
e ainda me perguntam por que choro e arranco os cabelos.
Meu Deus! De novo me mandastes a noite escura
e de novo tremo da cabeça aos pés
por ter que subir na cama que odeio.
Mas as mulheres nos poemas também são rebeldes, arriscando a vida por amor, numa sociedade onde a paixão é proibida e o castigo é impiedoso.
Dá-me tua mão, meu amor, vamos nos esconder no campo]
Para amar ou sucumbir às facadas.
Mergulho nas águas, mas a correnteza não quer me levar.
Meu marido tem sorte, meu corpo sempre volta à beira do rio]
Amanhã de manhã estarei morta por tua causa.
Não digas que não me amou.
A maioria dos ''gritos'' é de desapontamento, por uma vida não vivida. Uma mulher pede a Deus para na próxima vida ser uma pedra em vez de mulher. Nenhum desses poemas fala de esperança, ao contrário — reina a desesperança de não se ter vivido o suficiente, de não se ter aproveitado a beleza, a juventude, os prazeres do amor.
Eu era bela como uma rosa.
Debaixo de ti fiquei amarela como uma laranja.
Eu não conhecia o sofrimento.
Por isso cresci reta, como um pinheiro.
Os poemas também estão cheios de ternura. Com uma sinceridade brutal, a mulher glorifica seu corpo, o amor carnal e o fruto proibido — como se quisesse chocar os homens, provocar sua virilidade.
Põe tua boca sobre a minha,
Mas deixa minha língua livre para poder falar de amor.
Pega-me primeiro nos teus braços, me segura!
Depois te amarre às minhas coxas de veludo.
Minha boca é tua, devora-a, não tenhas medo!
Não é feita de açúcar, que se dissolve e desaparece.
Minha boca, eu te dou com prazer.
Por que me atiças? — Já estou molhada.
Vou te fazer em cinzas.
Se eu, por um só momento, olhar na tua direção.