Futebol é paixão.
''(...)a mais importante das coisas desimportantes deste mundo'' disse o bugrino Alexandre Inagaki.
Admito ser uma pretensão tola de minha parte, querer explicar o sentimento futebolístico tendo-o vivido apenas nos anos dois mil. Tivesse eu nascido nos tempos rodrigueanos*, talvez fosse mais bem sucedido nessa tarefa.
Não vi Pelé nem Maradona, assisto os jogos do
Messi, a mídia jura que ele é real, que ele existe, não tenho tanta certeza, não sei se a natureza é tão perfeita assim.
Acordei de madrugada e vi meus pais assistindo ao jogo Brasil x Inglaterra na Copa de 2002, lá no Japão. Que sensação boa, meus pais se importavam com aquilo, era algo relevante.
Lembro-me de ver alguns garotos na escola com o cabelo cascão do Ronaldo fenômeno, pedi à minha mãe para cortar daquele jeito, ela não acatou, primeira decepção(na verdade ela me salvou da ridicularização, pois meu cabelo é liso), a segunda decepção veio anos depois, quando percebi que meu nome poderia muito bem ter sido ROMÁRIO. Poxa, nasci em 1995, sete meses após a final. TINHA QUE TER UMA HOMENAGEM, QUALQUER QUE FOSSE.
Lembro de uma foto minha, que até bem pouco tempo minha mãe tinha, em que eu aparecia em um velocípede azul com um bonézinho do Botafogo, essa é a primeira imagem que me vem à mente quando penso no meu amor pelo Futebol. Sei que por conta do meu padrinho resolvi ser Flamenguista, até bem pouco tempo eu achava que todo mundo nascido no Brasil era impelido ao Catolicismo e ao Flamenguismo, pra ser parte da ''família tradicional brasileira''.
A minha sétima série passei desenhando cobranças de falta no caderno de artes enquanto as aulas de Geografia eram ministradas aos outros alunos. Na minha mente juvenil as garotas da minha turma não poderiam ter uma vida plena nunca, tendo em vista que nenhuma se interessava por Futebol. Na minha infância fiquei abismado com a aterradora revelação de minha mãe, a de que após a morte, lá no céu prometido pelo catolicismo, não existiria futebol, pois ''jogo não é de Deus'' dizia ela. Como o paraíso poderia ser um lugar de júbilo contínuo, se o Futebol não tinha lugar ali ?
Vi pela TV, e participei, ajudando a pintar a rua, da Copa de 2006, a do ''quadrado mágico''; Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Ronaldo e Adriano, fiquei até o último segundo esperando uma cobrança de falta certeira do Gaúcho que resultasse numa reversão daquele placar de 1x0 contra a França. Na Copa de 2010 fui até a feira comprar uma camisa azul da seleção pra vestir nos jogos, camisa azul, a que deu o título de 58 ao jovem Pelé. Nesse intervalo de copas vi Papai Joel levar o Flamengo da zona de rebaixamento à Libertadores, em 2007. Vi o São Paulo ser tri, vi
Rogério Ceni se consolidar como o MAIOR goleiro da história, vi, e torci, pro Bugre sair da série C e jogar a B em 2009. Teve também aquela final da
UEFA Champions League de 2008 em que depois dela eu só tinha uma certeza, VOU SER GOLEIRO, eu vi Van Der Sar se consagrar, tá na minha retina, ninguém tira. Teve um período entre 2008/09 em que todo dia eu ia dormir com o radinho ligado na Jovem Pan, terça; série B, quarta e quinta; série A, sexta; série B de novo, e foi aí que acompanhei a escalada do Guarani à série A. Também senti medo e admiração pelo Boca Jrs, parecia que tínhamos um Barcelona aqui na América Latina. Ah...a América Latina... terra dos argentinos, esses insanos, cabeludos, brigadores, eu os admirei, sua capacidade de acreditar que não tem bola perdida, que dá pra chegar e dividir no carrinho, e ainda comemorar provocando o adversário, só é equivalente a dos uruguaios. Sobre o
Uruguay, tenho uma confissão; acredito que na minha vida passada fui um atleta amador uruguaio, tenho um fascínio por esse país anãozinho que quase não observamos no mapa, esmagado por dois gigantes, Brasil e Argentina. Ouvi dizer que ele é Bi-campeão do Mundo, que ganhou do Brasil no jogo de maior público da história do futebol. Existe alcunha mais doce de se pronunciar pra se referir à uma seleção do que... 'CE LES TE' ? Aquela camisa azul é monstruosamente linda.
O maior jogo que tive oportunidade de ver da seleção brasileira foi a final da Copa das Confederações, Brasil x Espanha, nunca vi um time entrar com tanta ânsia de gozar do que aquele.
A única vez que fui suspenso da escola por indisciplina, fiquei impedido de ir justamente no dia de uma Internazzionale x
FC Barcelona, de certa forma foi um prêmio ter chutado aquele copo na direção da representante de turma.
E jogar ?
Bom, jogar eu também joguei, é claro.
Minha rua era sempre o Maracanã chuvoso pra mim, ou o Coliseu, depois que assisti
Gladiator e vi Kléber, Gladiador, encarando o mal nos olhos, com a camisa do Palmeiras. Golzinho de madeira ou metal, ou ainda sandália havaiana, não importava pra gente. Bola de campão, quadra, couro, plástico, bola de tênis, latinha de cerveja, garrafinha plástica, até pedra, pasmem. Qualquer coisa que minimamente tenha algo de esférico em sua forma. A camisa do Flamengo era a própria pele, carrinho no asfalto era a demonstração de comprometimento máximo que eu podia dar, tinha também a ralada da cabeça do dedão do pé no chão. Tinha tabela com o meio-fio, mas isso eu não fazia, deixava pro meu irmão, era o mínimo de moralidade que eu podia exercer à época.
Acho que o futebol só é jogado plenamente na periferia, nãos nos milionários estádios ''padrão fifa'', mas nos 'piores' gramados, com as arbitragens menos qualificadas e sujeito à todo tipo de intempérie como o tráfico de drogas nos arredores, levando ''pança'' dos caras fortões que te intimidam com o olhar, nos obrigando a pegar 5ª próxima.
O paraíso pra mim já passou, era quando jogávamos na chuva, asfalto e chuva. Era raríssimo, por isso era orgasmático. As mães nunca caíram naquela propaganda do OMO de ''porque se sujar faz bem''. Hoje não tenho mais nenhum time do coração, sou Galo, Grêmio, São Paulo, Flu e todo sentimento. Mas o que eu queria mesmo era ter nascido na Argentina pra comemorar os gols do Racing na arquibancada do 'El Cilindro'. Não adianta
Zaratustra, só consigo amar a vida que não vivi.
Se eu morrer, que o meu inferno seja estar preso eternamente no PES 2008—único jogo que realmente me dediquei a jogar— acompanhando sozinho na arquibancada a volta olímpica da Seleção, todos tristes acompanhando o singular sorriso do Ronaldinho.
O Futebol pode ser só onze idiotas correndo atrás de uma bola, mas pra mim é a única religião que sobrou.
—Adriano Cézar
*Tempos Rodrigueanos=1912-1980